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terça-feira, janeiro 06, 2004

O Canadá 

Esta crónica reporta as minhas férias no Canadá, a terra em que nasci e onde passei um mês há um ano atrás. Relata alguns factos curiosos sobre o segundo maior país do mundo, os seus hábitos, as suas gentes e principalmente acerca da minha estadia por lá.

O reino do Canadá tem 108 vezes o tamanho de Portugal, 3 vezes a nossa população, 6 vezes o nosso produto interno bruto e 2 vezes o nosso rendimento médio por pessoa. Facto curioso, apesar de terem neve e frio intenso todos os anos, as cidades que visitei situam-se sensivelmente no mesmo paralelo que o sul de França, onde nunca ouvi falar de neve.

O Canadá é uma miscelânea interminável de múltiplos povos, todos com sotaque da mistura de línguas. Em geral, tendo a preferir povos e línguas puras, tendencialmente nórdicos. Aprecio Alemãs, Dinamarquesas, Suecas, altas, louras, de pele e olhos claros. Assumo a discriminação desta postura e considero-a tão válida como gostar de raparigas bonitas.

Montreal parece uma cidade Europeia, tipicamente conservadora, que, apesar do extraordinário desenvolvimento, é comandada por um governo de esquerda extremamente orientado para as pessoas. Em Montreal não se vêem desabrigados e há poucos mendigos.
Gostei da delicadeza dos condutores de Montreal, ainda assim afamados de serem os piores do Canadá. Gostei muito das pessoas, muito mais simpáticas que em Portugal e que gostam de conversar ainda que sem qualquer motivo ou interesse. Gostei da preocupação com o ordenamento do território, vendo-se espaços verdes a intervalos regulares e casas de cores e dimensões idênticas no mesmo bairro.

Não gostei de não incluírem os impostos nos preços de produtos, o que te obriga a fazer a muito simpática conta de 85 * 1.15025 se quiseres saber se os 100 dólares que tens no bolso chegam para comprar o produto de 85 dólares que está à venda.

Achei muito engraçado o facto de no Québec se queixarem da elevada taxa de imposto sobre bens e serviços de 15.025%, sendo a nossa de 19%. Adicionalmente não beneficiam desse imposto medieval chamado de portagens, nem de taxas moderadoras, nem a conta da água é ao litro. Em compensação tem pensões de rendimento mínimo instituídas e gasolina a menos de metade do preço. Se te embebedares num bar podes ligar um número gratuito e vem duas pessoas buscar-te, a ti e ao teu carro, sem qualquer encargo. Não sei porquê, fiquei com a ideia que algo vai mal na república de Portugal se o contribuinte paga mais por tão menos benefícios.

Não me encantou particularmente ver ginásios e supermercados abertos 24 horas, num país que pretende liberalizar as drogas leves, e que os bares fechem às 03:00 ou às 02:00, dependendo da província; tenho uma tendência pessoal para achar que a escolha de vida ou da hora de deitar cada um não deve ser comandada por regulamentos municipais. Pelo menos tenciono continuar a viver em cidades onde o não seja.

Não há tantos prazeres na vida que possam excluir sexo, conduzir veloz em ruas estreitas, conhecer pessoas e sítios novos, o efeito alucinógeno do álcool, o cozido à portuguesa de minha mãe, a série "Six Feet Under" ou um banho quente num dia frio depois de uma corrida matinal. No Canadá podes esquecer as ruas estreitas. Com cervejas a preço de refeição, o melhor é esqueceres os copos também.

Em Montreal aluguei um carro "Full Insurance Covered", pelo preço de dez cervejas ao dia, o que, posto desta forma, me pareceu um excelente negócio – pelo menos sei que o seria se fosse em Portugal. Com o carro resolvi visitar algumas das muitas cidades do mundo que eu nunca vi.

Québec seria uma cidade ainda mais Europeia, se não fosse a sempiterna neve. Achei encantadoras as paisagens de neve. Suscitam vontade de pintar paisagens mesmo a quem prefere pessoas. Em Ottawa as pessoas esquiam nos rios onde no Verão andam de barco.
A viagem de Montreal para Toronto custa um terço da viagem de Portugal ao Canadá. Acredito francamente que o caminho para ser rico está não em diminuir os custos mas em aumentar as receitas, pelo que fui na mesma.

Toronto é uma cidade que podia ser dos EUA. Não é mais que um burgo de cimento e metal sem um pingo de história que desse para ver. A única sensação forte que experimentei durante os dias foi a sorridente ideia que tive, de fazer um bordel da CN Tower – supostamente "a mais alta torre auto-sustentada do mundo", com chão de vidro a uns 500 metros de altura.

Em Toronto conheci uma mocinha num bar exclusivamente Rock & Roll, que me perguntou se em Portugal também havia coca-cola. Tenho o princípio estabelecido e inabalável de não me envolver com pessoas que não sabem que a água ferve a 100 graus centígrados. Tive de lhe responder que não, que em Portugal não há coca-cola, há apenas água e leite que, já agora, provêm das vacas que são uns animais muito parecidos contigo, não fora por terem menos um neurónio, que, já agora, te foi atribuído a mais por Alguém apenas para evitar que defeques na rua enquanto andas.

De Toronto fiz a viagem para as Cataratas do Niagara numa carrinha de 11 lugares com uma condutora semi-senil. Aí, conheci uma rapariga de extraordinária simpatia, que tinha por modelo de vida viajar, até que o cartão de crédito lhe fosse cancelado. Porque considero esta, uma das melhores partes de viajar – partilhar experiências com pessoas do outro lado do mundo, parece-me, ainda assim, que devia ser ainda melhor antes de haver televisões e internet a uniformizar as opiniões das pessoas pelo mundo fora.

As Cataratas dão uma percepção de poder fulgurante, provocado por um ribombar contínuo de água em queda. A névoa que se evola desperta pensamentos evasivos, despertares de pensamentos fugidios.

Depois das quedas, a carrinha levou-nos a uma vila chamada Niagara-On-The-Lake onde percebi que não tinha carteira, o que, posso dizer, foi intenso. A vida dos dias que correm não apresenta tantos riscos que permitam ter medo. Chorar ou temer pela sobrevivência foram eliminados das sensações actuais por falta de aplicabilidade em meninos não mimados. A completa privação de autonomia é assim uma sensação nova, e francamente preocupou-me que o facto de não ser assustadora revelasse falta de amor-próprio.
Decorar números de telefone canadianos não fez parte da minha lista de afazeres quando cheguei, nem tinha nenhum cartão de crédito colado na testa, pelo que me vi, assim, com um dólar no bolso a 5000 km da pessoa contactável mais próxima. Contactável, apenas para o caso de me sentir só, porque não estava propriamente no sítio indicado, onde telefonar ao meu pai para me ir buscar pudesse ser plausível.

A jogar às cartas a dinheiro aprendi, que por muito mal que estejas, podes sempre piorar. Andar à boleia no Inverno e no Canadá não me pareceu um desafio confortável, e depois da legião de desabrigados que vi em Toronto não me pareceu que fosse fácil convencer a polícia de que era um Canadiano que precisava de uma viagem de borla para Montreal. Decidi-me assim a envidar esforços significativos na recuperação da minha independência económica, no que fui bem sucedido, ao convencer as 11 pessoas da carrinha a voltarmos para as Cataratas.

Esta parte fez-me criar a proposta de anúncio que tenciono vender bem cara à Visa: "He is not alone. He has his Visa." Espantoso como a sobrevivência pode depender tanto de um bocado de plástico ou de papel.

Posso dizer que voltei imbuído do espírito empreendedor contagiante desse povo. Agora, não mais olho para uma casa como um mero local para se habitar, mas como um potencial negócio. Pareceu-me um excelente sítio para se viver e, posso dizer, trocava bem o futebol pelo hóquei no gelo.

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