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segunda-feira, setembro 13, 2004

Multidões 

Tenho uma particular aversão a multidões. Por multidões entenda-se qualquer local com menos de um metro entre qualquer pessoa e onde eu esteja, sóbrio. Isto porque acredito que os contactos físicos existem, ou justificam-se apenas, com o intuito de cumprimentar as pessoas, para jogar futebol e para sexo.

Ora importa salientar que esta peculiar aversão a contactos físicos ocorre por três razões:
a) Tenho cócegas;
b) Pratiquei artes marciais de extrema violência durante algum tempo, onde me amestraram a estar perpetuamente em posição de defesa de qualquer golpe proveniente de qualquer lugar e por quem quer que seja, o que se torna difícil e me coloca francamente incomodado quando se tem muitas gente à volta;
c) Pelas mesmas razões que as restantes pessoas do mundo não gostam de multidões nomeadamente gostar de andar com os pés no chão, não tocar em pessoas que não tomam banho ou acham o desodorizante um conceito algo estranho, ou aquele hábito que algumas pessoas têm de por a mão nas costas da pessoa que vai à frente mesmo que não a conheçam quando se vai numa fila a atravessar uma multidão, etc.

Acontece que existe um problema neste nosso jardim, à beira mar plantado, que tem a ver com o tamanho das embalagens vendidas nos hipermercados. Acontece que até sou solteiro e não tenho como tal de comprar bens, numa base habitual para 10 pessoas nem nada que se aproxime. Acontece também que vivo agora numa cidade pequena que só tem um hipermercado. Acontece ainda que, pelas razões acima mencionadas relacionadas com repulsa mórbida por multidões, não gosto de ir às compras a esse sítio porque está sempre cheio mas que por ausência de alternativas razoáveis até sou obrigado a ir. Assim sendo, e a fim minimizar o número de vezes que lá vou, tenho por hábito comprar quantidades suficientes para pelo menos um mês. Ora o problema reside aqui. Não me parece nada bem, que, quando vou comprar cornflakes, tenha de comprar 20 embalagens de 375 gramas porque não há maior. Faz-me pensar, com saudade, em outros países onde se podem comprar baldes de mousse, sacos de 10 kg de arroz, caixotes de cevada ou potes de manteiga de amendoim.

Lembrei-me disto porque vi há uns quatro anos um filme, o Diário de Bridget Jones, que conta a história de uma rapariga que procura um rapaz que preencha TODOS os seguintes requisitos: não ser pervertido, alcoólico, workoólico, misógino, megalómano, casado ou enamorado, chauvinista ou avesso a compromissos.

Depois deste filme passei uns tempos deprimido por achar que reunia praticamente TODAS essas características. Passados uns tempos passei a consolar-me interiormente por pelo menos não ser nem casado, e muito menos misógino.

Isto porque há muito pouco tempo atrás, falei com uma rapariga muito simpática já de mim conhecida. Depois de uma conversa decente, daquelas com várias frases de mais de sete palavras e em que o termo “merda” não foi mencionado (coisa rara), roguei-lhe enternecido e sorridente, que me explicasse porque é que nós os dois não namorávamos. Ao que ela me respondeu, com desplante e ar triste “Tu, és bom demais para mim”. A partir desse momento (e enquanto ela fugia, corada), comecei a cantar (interiormente, porque não sou paneleiro, claro) “I’m just too good to be true”, adaptação minha de “You’re just too good to be true”, e que podem ouvir, ou cantar, por exemplo aqui: Too Good.

Esta aventura serviu de consolo para a última desventura com uma rapariga com quem um relacionamento eventualmente sério não funcionou devido a, segundo ela, eu ser uma pessoa sem objectivos traçados. Que alarvidade! É claro que tenho objectivos. Tenho três, até: ser rico, ser rico e ser rico.

Uma parte algo significativa das minhas férias foi passada em um estado de ligeiro torpor alcoólico. A piada disto, é que eu, que sempre tive um instinto muito auto-protector (de notar que já fui ou sou: vegetariano, frequentador assíduo de ginásios, praticante regular de exercício físico e que troquei a capital do país que habito por outra, com ar muito puro), sempre fiquei impressionado pelas razões pelas quais um homem com auto-estima acentuada se destrói de tal forma. Fiquei no entanto espantado com as capacidades de autodefesa do corpo humano, em que passado um mês de copos numa base diária fiquei doente.

É simples. Depois de um mês de copos seguidos, fica-se doente, dorme-se três dias seguidos, acorda-se e regressa-se ao QI de 134 que se tinha, à capacidade de ter conversas decentes, à vontade de escrever blogs que mais ninguém lê, e enfim, de um modo geral para um modo de vida mais saudável e ligeiramente menos superficial e pateta.

É claro que já me ocorreu parar de fumar ou de beber. E, para ser honesto, o problema essencial nem sequer me parece ser o de enfrentar a dependência. Muito pior do que isso é decidir o que se vai fazer depois. Por exemplo, o que fazer com as mãos, quando se vai a um bar. Para quem não aprecia particularmente dançar, muito menos sóbrio, pelas semelhanças que tal acto tem com rituais primitivos ou cerimónias medievais, e considerando que dado o volume e qualidade da música, não é dos sítios mais indicados para conversar, o que fazer com as mãos num bar quando não se fuma nem bebe, assume as características de um problema catastrófico. A forma habitual de cigarro numa mão e copo em outra, fica, é claro, posta de parte.

Obviamente, podia deixar de ir a bares e começar a interessar-me por exemplo por cinema e desatar a alugar filmes até saber de cor o nome de todas as actrizes, actores e realizadores deste século e do transacto. Ou tirar cursos de fotografia, pintura e escultura, ou tudo em simultâneo. Ainda assim, a solução mais confortável para parar de fumar e beber, parece-me que é ter apendicite, passar uns 5 dias no hospital de mãos atadas e sem telefone para que não se possa chamar pelos verdadeiros amigos que, a meu pedido, substituiriam o soro por vodka, sair do internamento, inscrever-me de imediato no conservatório de música e passar os serões do resto da minha vida a tocar piano, o que é realmente óptimo porque preenche as duas mãos.


Comments:
Falta-lhe uma linha mestra, mas muito bom.
 
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